domingo, 31 de julho de 2016

Quilombo São Pedro promove encontro de troca de experiências entre gerações e comunidades

Ocorreu na última quarta-feira, 27, o IV Bate-papo no Quilombo São Pedro. Desta vez o convidado para trocar experiências e ensinar um pouco de sua vivência para a juventude foi o Senhor Benedito Alves da Silva, o Ditão, do Quilombo Ivaporunduva. Aos 61 anos de idade, Ditão deu uma aula a tod@s @s presentes. Falou sobre o processo de ocupação do Vale do Ribeira pelas comunidades quilombolas que até hoje vivem por aqui; falou sobre o modo de vida antigamente e na atualidade, a sobreposição das unidades estaduais de conservação sobre os territórios das comunidades, turismo de base comunitária, enfim, abordou os mais diversos assuntos relacionados a temática quilombola. Tal discurso é resultado de mais de 40 anos de experiência no movimento quilombola, tendo liderado muitas frentes de luta em prol do nosso povo. “No final de 80 (1980) eu não tinha entendimento sobre África e Brasil. Fui buscar nos livros, estudar para colocar no meu repertório”, afirma Ditão, sobre a importância de se buscar as origens do povo negro também nos livros, além da oralidade transmitida na comunidade cotidianamente.
        Ditão relembra que até 1968 não era asfaltada a rodovia Eldorado- Iporanga, que dá acesso a várias comunidades, e com isso as pessoas trabalhavam normalmente nas roças, mas “junto com a estrada veio a lei de parques. Foi o momento em que as comunidades pararam de plantar por conta da polícia ambiental. Houve êxodo rural grande. Quem foi pra cidade grande foi para a construção civil e os poucos que ficaram não puderam fazer roças porque seriam multados”, relata ele. Assim, os que permaneceram na terra tiveram que ingressar na extração ilegal do palmito juçara para sobreviver, porém a criminalização não era pra todos os envolvidos, pois “as fábricas eram legais [legalizadas]; se o palmito tivesse no caminhão da fábrica poderia ir, mas se o policial pegasse o palmito com o palmiteiro[pessoa que extraiu o palmito do mato], aí era preso”. Neste aspecto, percebemos que a lei é para todos, mas não se aplica a todos, pois até os dias atuais a quantidade de comunidades quilombolas com direito ao território garantido é muito pequena em relação ao total de quilombos no Brasil todo. “...se a PEC 215 passar, tira de nós o direito de mandar no que é nosso! É um problema sério para nós”, afirma Ditão, em relação a Proposta de Emenda a Constituição nº 215 que tira do Executivo e passa para o Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, a titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental.
            O tema educação também foi citado e debatido. Afinal, um tema desses deve estar em todas as discussões de todos os espaços. Para o Senhor Antonio Morato, 66, morador do Quilombo São Pedro, “Sabemos que as crianças não sabem toda a história. Precisamos que eles saibam... como era o modo de vida, as lutas, a nossa história...antigamente não tinha emprego, nós comíamos do que nós fazíamos aqui: Cará, batata, arroz, feijão, galinha, porco... Isso mudou e hoje vocês estão saindo para estudar fora, mas esse histórico vocês não tem que perder”, afirma. Assim, percebemos que os mais velhos das comunidades veem a importância da juventude estudar e dar o retorno ao seu lugar de origem, pois “é necessário que os que estão indo para a faculdade se formem e voltem pra cá [para o quilombo]. Tenho certeza que o quilombo vai precisar de vocês aqui. O lugar de vocês é aqui. As pessoas formadas [com ensino superior] de nossa comunidade mudaram nossa comunidade...”, afirma Ditão sobre a importância da relação entre o técnico acadêmico e o tradicional. Para ele, “a história do povo quilombola no Brasil, o mundo não conhece. O que o mundo conhece do povo brasileiro é aquela história que é conveniente para os outros aí de fora. A nossa história, a história do meu avô, dos nossos avós, que é a verdadeira nos foi contada e não está nos livros”, diz.
            O evento contou com pessoas de várias idades. Desde crianças a idosos vieram para mais um dia de (in)formação promovido pela Associação Quilombo São Pedro e pelo Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim. O importante disso é que as comunidades cada vez mais devem se unir visando sucesso na luta, tendo como bandeira principal o nosso território, garantido por lei, mas negado a um povo que construiu um país sob açoites. Assim, o importante é lembrar que “desde a época dos nossos ancestrais, nossos avós... a terra não saiu das nossas mãos... a terra é nossa mãe... ela dá tudo o que precisamos: os sapatos, a roupa, a respiração -- o ar-- a vida, a comida, a água... tudo o que você precisar vem da terra... Cuidem da terra! E cuidar da terra é... nossa organização, é manter nosso povo unido, é união. A união faz a força. Nos juntos não perdemos a terra pra ninguém”, finaliza Ditão sob aplausos dos presentes.

Fotos: Luiz Eduardo de França Dias- Quilombo São Pedro

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Universitários quilombolas realizam bate-papo na comunidade

A noite de 20 de julho de 2016 foi diferente no Quilombo São Pedro. Os universitários Luiz Eduardo de França Dias, 18, que cursa Fisioterapia; Matheus Ribeiro da Silva,18, e Wesley Silva de Almeida, 21, ambos estudantes de Direito deram uma aula sobre Políticas Públicas, sistema de cotas, universidades, educação básica, situação política atual do Brasil, escravidão, entre outros assuntos. Ao todo são 5 universitários quilombolas do Vale do Ribeira hoje em São Paulo, através da Ong Educafro.
Foto: Vanessa de França
Os estudantes relataram as experiências obtidas sobre a vida na universidade na cidade grande, bem como a necessidade de mais jovens acessarem os espaços que sempre foram negados ao povo negro. Segundo Silva, que é do Quilombo Ivaporunduva, “o nosso lugar é na universidade pública e não na particular”, diz; pois “precisamos da universidade pública, porque não temos condições de pagar”, reforça Dias, apontando a necessidade de reflexão sobre o sistema atual das universidades no Brasil.
As cotas nas universidades públicas também foi tema abordado pelos jovens. Segundo eles, estudos comprovam a eficácia do sistema, quando comparados alunos cotistas com aqueles que ingressaram pelo sistema convencional. “As cotas vem para equiparar. Se os negros não estão ocupando as universidades não é atoa, é porque algo lá atrás aconteceu... trata-se de uma dívida histórica e nada mais é do que a escravidão”, afirma Silva. Entre diversas perguntas e respostas eles ressaltaram a importância do Frei David, fundador e Diretor Executivo da ONG Educafro (Educação e Cidadania para Afrodescendentes e carentes) na luta pelo acesso e permanência do pobre e negro na Educação Superior. Além disso, dicas não faltaram no evento. Almeida, por exemplo, afirmou em tom de apelo que “O ENEM é que abrirá todas as oportunidades para vocês [jovens]”, direcionando-se para os jovens e reiterando a importância do Exame Nacional do Ensino Médio. Segundo ele, há omissão por parte do sistema educacional se tratando da qualidade da Educação básica, o que acarreta na má formação acadêmica do jovem. Assim, quando o estudante é de zona rural, tendo problemas como falta de ônibus, estradas ruins, alimentação escolar péssima, além de aulas vagas, o resultado é uma defasagem na aprendizagem quando esse mesmo jovem acessa o ensino superior.    



Foto: Vanessa de França
O evento foi o 3º bate-papo promovido pela Associação Quilombo São Pedro e pelo Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim. No primeiro, a temática abordada foi o Vale do Ribeira, Comunidades Quilombolas, acesso a território; já no segundo, racismo, preconceito, bonecas negras e o negro na mídia foram os temas discutidos. No entanto, este foi mais que especial, pois são os próprios jovens falando para outros seguirem o mesmo caminho de luta. Assim, o recado foi dado: “Estude aquilo que vai te dar um conforto pra poder ajudar a sua família e sua comunidade; e àqueles que não tem mais condições de sair [pra estudar] incentivem os mais jovens”, diz Almeida.   



quarta-feira, 13 de julho de 2016

Quilombo São Pedro realiza maior festa do Vale do Ribeira

      Mais uma vez foi um sucesso a festividade no Quilombo São Pedro. São quase 90 anos de realização do evento que já faz parte da agenda das comunidades vizinhas e até de pessoas de outras cidades - só das agendas da prefeitura e Câmara dos vereadores que ainda não! Enfim, falamos disso depois...
O evento que teve início na tarde do dia 29 de Junho com procissão e missa, seguidos por um maravilhoso café comunitário com produtos da roça. Mais a noite a fogueira foi acesa e iniciou-se a quadrilha, onde as crianças, jovens e até idosos dançaram após um casamento bem humorado- destaque para o padre que atendia o celular durante o casório! Assim, a noite encerrou-se com a comunidade toda reunida – e até comunidades vizinhas como --Ivaporunduva, Galvão e Castelhanos-- comendo pipoca, canjica bebendo quentão para espantar o frio!
Já no dia 02 de Julho, sábado, auge do evento, a noite iniciou-secom a apresentação do  Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim, seguido pela apresentação da Dança da Mão esquerda. Mais tarde, muitos se divertiram na quermesse ao bom som dos violeiros do Quilombo Ivaporunduva. Jânio e Leonides, José Rodrigues e Gervásio encantaram a todas e todos com o melhor da moda de viola. Vieram pessoas de diversas comunidades como Sapatu, Ivaporunduva, André Lopes, Galvão, Nhunguara, Pilões, Maria Rosa, Poça, Barra do Braço, Batatal, Abobral, Meninos, Pedro Cubas etc; além de cidades como Curitiba, São Paulo, Cananéia, Registro, Cajati, Iporanga, Iguape, entre outras. Com isso, o espaço ficou pequeno quando os jovens da própria comunidade, “Aluisio dos Teclados” e “Nenê, O fera do Vale”, iniciaram o forró, que durou até as 5:30h da manhã. A animação era tamanha que para matar a fome os espectadores puderam saborear torta de palmito, porção de mandioca frita, frango e carne de porco assados na fornalha, além de outros salgados; e tudo isso com a opção de aquecer-se nas proximidades da fogueira de mais de 3 metros de altura acessa no inicio da noite e que durou uma semana. Enfim, a empolgação foi tamanha que no dia seguinte teve domingueira, prestigiada ainda por vários outras comunidades.
De acordo com o Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim, apoiador do evento e a Associação Quilombo São Pedro, promotora do evento, mais de 2500 pessoas prestigiaram a 88ª Festa do Quilombo São Pedro, que foi considerada pelos coordenadores “um sucesso”. A associação, por conta própria, através de mutirões, realizou melhorias em diversos pontos dos 12 km de estrada não pavimentada que dá acesso a  comunidade. O órgão responsável pelos serviços em estradas, pertencente a Prefeitura Municipal da Estância Turística de Eldorado, alegou que a máquina não estava em condições de realizar serviços naquela semana ( a que antecedeu o evento), pois estava em manutenção. Esse é um dos pontos que ilustram bem a desvalorização da cultura quilombola, tanto por parte do poder executivo, quanto pelo poder legislativo, pois sequer alguns vereadores ( quase todos) sabiam da realização do evento (e olha que tinha cartazes na cidade toda e em 90% dos bairros). Mas, cabe um questionamento: Onde estão os recursos referentes a cultura se não são investidos no segundo maior evento do município?  Onde? Pelo que vemos, constatamos o óbvio: nunca neste país o povo negro foi valorizado... A falta de apoio para a realização da segunda maior festa do município e maior evento realizado em comunidades quilombolas do Vale do Ribeira é prova disso!

Ano que vem tem mais... 89ª edição da Festa do Quilombo São Pedro, Vale a pena !!! 





Fotos: 
Vanessa de França (Quilombo São Pedro)
Daniel Rodrigues (Grupo Cultural Tiduca- Cananéia-SP)